Ela veio até a mim por uma razão que eu sempre desconheci,
hoje ainda a desconheço.
No início procurei a resposta em todos os pequenos sinais
dela, nos mistérios que seriam o seu passado, nas indefinições que são o seu
futuro e na vontade que tinha de viver o presente.
Dei por mim a acordar e desejar ter uma mensagem dela, dei
por mim a prescindir de sair para não a deixar sem resposta, dei por mim a
sorrir para o telemóvel, dei por mim a sentir falta de uma pessoa que
verdadeiramente nunca tive.
Partilhamos das histórias mais banais até às mais
excêntricas, partilhamos projetos de vida, brincadeiras parvas e medos.
Desfiz-me de todas as relações fugazes pendentes sem existir
qualquer compromisso, de todas as mulheres que apenas conheciam o meu lado
noctívago e que apenas me desejam uma parte do meu dia.
Em algum momento da nossa vida, imaginamos como iremos
conhecer aquela pessoa que nos vai fazer sentir que todas as outras foram
banais. Sempre achei que ia ser a miúda nova da pastelaria, a colega de
trabalho da minha melhor amiga ou a rapariga que começou a apanhar o autocarro
na minha paragem. Ela não preenchia esse requisito. Não fazia sentido a maneira como chegou até
mim, fiquei sempre de longe a admirar o seu sorriso e sem saber como um dia
poderia conseguir prender um minuto da sua atenção.
Ela era um mundo novo de descobertas, nunca tínhamos
partilhado momentos no passado, não existiam elos em comuns, ela era apenas a
estranha mais fascinante e ousada que tinha conhecido. A irracionalidade tomou
conta de mim, o desejo apoderou-se dos medos e os corpos se encheram de
desejo.
Hoje partilhamos os lençóis, ela usa a minha roupa e eu
desarrumo-lhe as prateleiras da loiça, hoje ela conhece os meus amigos e eu
converso com pais dela, hoje não me importa a maneira como chegou até mim, mas
sim encontrar a maneira de não a deixar fugir mais de mim.